04/01/2018

MISSÃO (IM)POSSÍVEL

Por SANDRA BERNARDINO

A mudança de ano costuma ser uma altura em que se aproveita para fazer balanços: do que foi feito e o que se deixou por fazer. Do que foi bem feito e do que foi menos bem feito. Daquilo que importa manter e o que convém deixar de lado.

Pesa-se tudo e logo vemos para que lado pende a balança da nossa consciência.

2017 foi o ano em que me iniciei, formalmente, na política.

Duas palavras definem esta experiência: surpresa e desilusão.

Surpresa porque foi “coisa” que não tinha sequer imaginado, atenta a minha (relativa) aversão ao tema.

Desilusão ao perceber que, afinal, tinha razão na minha (agora já não tanto relativa) aversão à política e aos políticos.

Percebi agora que para ser política não devo dizer tudo o que me vai na alma.

Ao que parece, devo escolher bem as palavras, medi-las, pesá-las, colocá-las numa espécie de mesa de cirurgia, desenhá-las, cortá-las, dar-lhes uma aspecto bonito e politicamente correcto e só depois, passado o período de recuperação, mostrá-las para serem sujeitas a todo o tipo de interpretações.

Na política reina, mais do que em qualquer outro aspecto da vida, a hipocrisia.

Mas como hipócrita não sou, rapidamente concluí que provavelmente não tenho grande futuro!

Nada que me deixe muito preocupada porque, afinal, nunca tive grandes aspirações políticas.

Mas tenho pena. E tristeza.

Pena e tristeza porque, por muita vontade que se tenha de mudar, somos rapidamente abafados e anulados pelas regras impostas pelos interesses de quem “manda”.

A minha experiência na última Assembleia Municipal foi disso exemplo. Uma sessão que, para além da proposta da Câmara Municipal de Esposende sobre os Documentos Previsionais para o ano de 2018 – Orçamento, Grandes Opções do Plano e Mapa de Pessoal, tinha mais 35 outros pontos para serem aprovados ou comunicados!!!

Não demorou muito: apenas 7 horas! Terminou quando os ponteiros do relógio se preparavam para marcar 4 horas da manhã.

Percebi que na Casa da Democracia importa mostrar sorrisos e fazer as perguntas com alguma ironia e muita simpatia, ou somos logo apelidados de “aziados”.

Importa “arrumar para canto” quem pode incomodar, recorrendo a todas as técnicas e táticas, designadamente alianças improváveis.

Vale tudo e só não se tiram olhos porque isso dá muito nas vistas!!!!!

Percebeu-se, desde o primeiro momento, que o alvo a abater é o JPNT.

Compreende-se!

O JPNT é, afinal, persona non grata para o PS, para o CDS e para o PCP, muito provavelmente por lhes ter “roubado” eleitorado, reduzindo-os a uma discreta representação na Assembleia Municipal.

Quanto ao PSD, com a postura a que nos habituou nos últimos anos, tirou logo partido desse posicionamento das restantes forças políticas e tratou de fazer listas conjuntas para eleição dos representantes na CIM Cávado e no Conselho Municipal de Segurança de Esposende. Sim, é verdade: PSD, PS, CDS e PCP juntaram-se numa única lista, porque essa era a única forma de impedirem que o JPNT elegesse representantes seus.

Percebeu-se também que a acção fiscalizadora que compete à Assembleia Municipal é, por alguns, interpretada de uma forma muito curiosa!

Desde logo o tempo das intervenções. Podem fazer-se intervenções, mas estas não podem exceder o tempo determinado pelo cronómetro que a mesa da presidência controla ao segundo, sustentado num regimento concebido claramente para impedir que se “incomode” muito o Poder.

E depois as perguntas. Podem fazer-se perguntas, mas se essas perguntas forem incómodas para o Sr. Presidente da Câmara, deixam de ser perguntas e passam a ser intervenções políticas, isto na opinião de quem preside à reunião.

A minha palavra foi cortada logo à segunda pergunta, quando me preparava para perguntar o critério usado pela Câmara Municipal para escolher as empresas a quem foram adjudicados um conjunto de serviços por ajuste direto.

Esta pergunta começou com uma introdução, dando exemplos de situações em que o Município recorre à figura do Ajuste Direto com consulta apenas a uma empresa: a empresa Wemaze – Gestão de Projetos Lda, à qual foi adjudicado o projeto de adaptação do Centro de Negócios por 39.500€; a empresa Atelier de Arquitectura e Engenharia Filipe e Manuela, Lda, à qual foi adjudicado o projecto de requalificação do Bairro do IGAPHE por 73.800€; a empresa Geo Future, Lda, à qual foi adjudicada uma prestação de serviços de assessoria e consultoria na execução de projectos (?) por 91.500€; a empresa Edigma, à qual foi adjudicada a criação de um site por 43.000€; a empresa Engenho e Rio Unipessoal, à qual foi adjudicada uma prestação de serviços de acompanhamento e orientação técnica da empreitada do Canal por 92.000€; a empresa Marques Franco Arquitecto Lda, à qual foi adjudicado o projecto de arquitectura da requalificação da Escola Secundária por 92.000€; a empresa Fachada de Referência, à qual foram adjudicados os projetos de especialidades da requalificação da Escola Secundária por 92.000€.

Não consegui chegar sequer a meio dos exemplos que tinha.

Bastou que o presidente da Câmara fizesse um sinal ao presidente da Assembleia Municipal para que este considerasse a minha introdução às perguntas como sendo uma intervenção política!!! Mas afinal a quem incomodam estas perguntas? Não há uma expressão popular que diz que “quem não deve não teme”?!

Antes do 25 de Abril de 1974 não se faria melhor!

Ficaram por fazer dezenas de perguntas.

Deixaram de ser feitas muitas considerações e reparos.

Mas parece que a democracia é assim!

Já que estamos em período de balanços, não posso deixar de lamentar que na última Assembleia Municipal, o prato da balança reservado à oposição tenha ficado praticamente vazio!

Culpa minha, reconheço, que deixei falar mais alto a minha inexperiência e inabilidade para a prática política!

Agora que inicia um novo ano tenho, para além das resoluções habituais, uma nova: FAZER OPOSIÇÃO SEM CAIR NA TENTAÇÃO DE SER POLÍTICA!

Podem fazer as “coligações” que entenderem, imporem as restrições que lhes forem mais convenientes, condicionarem como costumam condicionar. Uma coisa é certa: às nossas perguntas incómodas não vão escapar.